I. Questões demográficas urbanas e desafios para uma Nova Agenda Urbana
Os desafios colocados para uma nova agenda urbana no Brasil partem dos importantes avanços desde a realização da Habitat II. O quadro normativo, reconhecimento dos direitos e a priorização dos investimentos públicos marcaram os últimos anos. Entretanto velhos desafios de universalização de acesso a equipamentos, bens e serviços básicos ainda compõem a agenda futura, que em parte se renova, mas também se aprofunda em sua urgência. Garantir o direito das pessoas à cidade é a síntese da nova agenda urbana.
Se, na segunda metade do Séc. XX, observou-se forte crescimento demográfico nas metrópoles e grandes cidades brasileiras, como resultado da industrialização, em período mais recente, a exploração de recursos minerais, o avanço da fronteira agropecuária, bem como a localização de grandes empreendimentos de infraestrutura no interior do país, atraem e movem grandes contingentes, especialmente para o Norte e Centro-Oeste.
A população brasileira, em 2010, era de 190,7 milhões (Tabela 04). A taxa de urbanização brasileira atingiu 84,4%, no mesmo período. A taxa de crescimento da população rural, por sua vez, mostra-se negativa, com uma redução anual média de 0,7% entre os anos de 1991 e 2010 (Tabela 4). Tendo em vista que esses números tendem à estabilidade, o que vale é observar a transformação de seus componentes.
O crescimento da população economicamente ativa (PEA) urbana, por exemplo, entre 2001 e 2011 foi, em termos relativos, de apenas 0,01 p.p., passando de 53,5% para 53,51% (Tabela 2). Contudo, considerando o crescimento populacional na década, o resultado é um aumento aproximado de 15 milhões de pessoas em idade de exercer atividades econômicas nas cidades.
Outro crescimento observado foi o da população com idade superior a 60 anos (Tabela 3), que em 1996 representava 8,61% da população total, com cerca de 11 milhões de habitantes, e em 2013 chegou a 13,04% da população brasileira – ou 26,3 milhões de habitantes, praticamente o dobro em termos absolutos. Da mesma forma, o Censo 2010 mostrou que 23,91% da população, ou 45,6 milhões de pessoas, têm algum tipo de deficiência – visual, auditiva, motora, mental ou intelectual. Esse número também se relaciona com o envelhecimento da população, uma vez que os dados desagregados mostram que, ao tempo em que a deficiência severa (8,3% da população) atinge pessoas em qualquer idade, sua prevalência é proporcionalmente maior no grupo de pessoas idosas: a prevalência de deficiência auditiva severa se multiplica por cinco entre pessoas idosas (de 2,4% da população até 60 anos, passa a 12%), a de deficiência visual se multiplica por quase nove (0,6% para 5,2%) e a de deficiência motora por quase onze (1,1% para 12,1%).
Tais mudanças demográficas, como o aumento da PEA com ingresso de jovens e aumento expressivo da população idosa e da população com deficiência, trazem novos desafios para a política urbana, que deve se voltar com maior atenção para esses grupos específicos.
Lidar com a rápida urbanização
Com a intensificação do processo de industrialização, o Brasil assistiu um processo acelerado de urbanização, associado à explosão demográfica. A população passou de predominantemente rural para majoritariamente urbana em menos de 40 anos. Em 1950 (Tabela 4), a população urbana era equivalente a 36% e, em 1980, já representava quase 70% da população brasileira. De 1950 a 1960 a população urbana aumentou 70,39%. Em seguida, até 1970, o aumento foi de 65,3%, e até 1980 houve aumento de 55,02%, em seguida até 1991 de 35,19%, desacelerando para 24,24% até 2000, e para 16,82% até 2010. Em 50 anos, de 1960 a 2010, o Brasil urbano cresceu 402%, passando de 32 para 160 milhões de pessoas.
Tal urbanização assumiu perfil notadamente metropolitano. Nas maiores cidades brasileiras, o acelerado processo de urbanização se fez marcar, por um lado, pelo loteamento irregular como solução habitacional nas periferias e, por outro, pela multiplicação de vazios urbanos e do número de imóveis vagos em áreas urbanizadas, com consequências em termos de desintegração socioterritorial entre bairros e áreas centrais, segregação socioespacial, fragmentação espacial e elevando custos de implantação e uso da infraestrutura urbana, entre outros problemas. A vacância urbana em 2010 atingiu 4,7 milhões de domicílios.
Também rapidamente surgem loteamentos fechados para as classes abastadas e condomínios horizontais. Tal modelo excludente de urbanização tem sido observado no último período com rapidez, não somente nas metrópoles, mas também nas cidades médias.
Para tratar da urbanização de maneira estratégica e ligada ao processo de desenvolvimento nacional promovendo a integração do território e a diminuição das diferenças regionais, seguindo modelos comumente aceitos de definição e exploração de redes produtivas, exploração otimizada dos fatores de localização das distintas atividades, multiplicação e desconcentração das oportunidades etc., é necessária a definição de elementos mínimos para se caracterizar a cidade e, por consequência, as vilas e as aldeias. A mesma necessidade estaria posta às metrópoles. A partir dessas definições, seria possível a estruturação de políticas estratégicas de desenvolvimento e investimento, inclusive no plano mundial, baseadas na configuração atual dos territórios e na desejada produção futura.
No federalismo brasileiro4, em função da autonomia política e administrativa municipal, a definição hierárquica de aldeias, vilas, cidades, metrópoles e a função que cada uma exerce no desenvolvimento torna-se um desafio de grande monta. No último período o número de Municípios no Brasil5 passou de 4.491 em 1991 para 5.565 em 2010, logo 1.074 novas “cidades”, com toda a estrutura política e administrativa de um ente federado foram criadas. Entretanto diversos Municípios não encerram individualmente o conjunto de capacidades necessárias para colocar em prática políticas locais que garantam a função social da propriedade e da cidade, como estabelecida no Estatuto da Cidade, e mesmo em sua integralidade uma política nacional de desenvolvimento urbano e social.
A rede urbana brasileira se mostra ainda desequilibrada. Algumas grandes metrópoles, número limitado de cidades médias e milhares de Municípios pequenos conectam-se predominantemente via malha rodoviária, muitas vezes precária ou incipiente. Cerca de 370 Municípios estão englobados em alguma região de influência de metrópole ou capital regional. As pequenas cidades, diversas vilas e vilarejos, estão conectadas a uma cidade de médio porte, que por sua vez, conecta-se à uma metrópole. Constituem, dessa forma, rede hierárquica com alguns níveis e diversas conexões a serem estabelecidas. Politicas recentes de “interiorização” de instituições de ensino técnico e superior e a construção ao longo de diversos anos do Sistema Único de Saúde pública colaboram na equalização da rede urbana e na minimização das desigualdades regionais.
Lidar com as conexões urbano-rural
A transição demográfica e populacional do rural para o urbano, experimentada no Brasil, desde o final do século XIX e principalmente durante o século XX, gerou transformações na ocupação do território e influenciou o processo de desenvolvimento regional, causando impactos econômicos, ambientais e sociais.
Hoje 29,8 milhões de brasileiros vivem na área rural (IBGE, 2010a) e há mais de 4 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar (IBGE, 2006), envolvendo mais de 5 milhões de famílias de agricultores conforme registro oficial da DAP/MDA (Declaração de Aptidão ao Pronaf do Ministério do Desenvolvimento Agrário).
Uma forma de examinar conexões urbano-rurais consiste em considerar a população urbana e rural cuja atividade principal de trabalho seja oposta à característica da zona em que reside. Dito de outra forma, trata-se de contabilizar (i) o percentual de pessoas que moram em zona urbana e que trabalham no setor agrícola; e (ii) o percentual de pessoas que moram em zona rural e não trabalham no setor agrícola.
A primeira condição mostra percentual em queda ao longo do período observado (Tabela 6): de 3,7% em 1996, para 3,31% em 2006, e 2,41% em 2013. O Nordeste mostra o percentual mais alto, com 3,58% das pessoas que vivem em áreas urbanas trabalhando no setor agrícola, em 2013. A segunda condição, inversamente, mostra percentual em crescimento no período observado: de 11,54% em 1996, para 14,71%, e 16,41%. No Sul está o mais alto percentual: 20,74%. Ainda considerando pessoas que vivem em área rural e não trabalham em atividade agropecuária, seu percentual é bem mais alto em regiões metropolitanas (RMs): 30,56%. Trata-se de uma demonstração da atratividade do trabalho e do meio urbano em detrimento do rural, notadamente em espaços densos e consolidados. Trata-se também da busca por maior qualidade de vida e acesso a serviços de saúde e educação, principalmente para a população jovem.
Por outro lado, a pluriatividade (desenvolvimento de outras atividades além das agropecuárias) por parte da população rural indica tendência de aproximação entre atividades classicamente vinculadas ao urbano mas ligadas ao rural. Além disso, apesar do significativo esforço governamental na interiorização de equipamentos, bens e serviços, como programas de habitação rural, expansão da coberta do SUS (Sistema Único de Saúde), em especial com o programa Mais Médico, e notáveis avanços no campo da educação (escolas rurais, transporte escolar rural, universidades, institutos tecnológicos, etc.), remarcando o esforço recente (Decreto nº 7.352, de 04 de novembro de 2010) na institucionalização de concepção pedagógica especifica, boa parte da população rural continua desenvolvendo atividades no meio urbano.
Identifica-se que se o êxodo rural diminuiu, enquanto fixação de população migrante, a “migração temporária” em função do trabalho temporário vinculado às atividades agropecuárias e também da construção civil continua ocorrendo de forma bastante relevante.
Nas áreas de expansão da fronteira agrícola e nas proximidades das grandes obras de integração territorial, o afluxo de migrantes não difere do processo vivido nos anos 1970. Isso também acontece em certas periferias de RMs e cidades médias em franco processo de crescimento.
Por outro lado, pequenas cidades ou vilas do interior foram deixadas vazias, contrastando com as novas fronteiras de expansão agropecuária e seus novos assentamentos precários. Grandes metrópoles com periferias não urbanizadas e adensadas assistem cidades médias do interior do país recebendo movimentos migratórios e de crescimento populacional com a mesma lógica de desassistência e falta de planejamento das ações públicas e privadas, marcas deletérias da exclusão e da segregação.
Deve-se considerar a tendência de queda do número de pessoas em todo o país que moram no urbano e trabalham no rural (diminuição de 3,31%, em 1996, para 2,41% de toda a população urbana em 2013).
Diferentemente de décadas anteriores, torna-se cada vez mais complexa a adoção de uma definição consistente com os padrões de reprodução urbano e rural. No entanto, existem alguns avanços na definição de políticas relacionadas ao tema, em especial no que tange a promoção de atividades agrícolas em áreas urbanas. Em novembro de 2014, foi produzido pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) documento técnico contendo subsídios para uma Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana (PNAUP). O documento atualmente encontra-se em discussão em Comitê Técnico instituído no âmbito da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN), instância governamental responsável pela coordenação e monitoramento de políticas públicas federais relacionadas à segurança alimentar e nutricional, ao combate à fome e à garantias do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA).”
O desafio colocado é continuar a aprofundar, no contexto de uma Nova Agenda Urbana, políticas que fortaleçam complementaridades entre meios urbano e rural e aprofundem o processo de expansão, a este último, das infraestruturas físicas e sociais, equipamentos e serviços urbanos, eliminando a visão anacrônica do rural como sinônimo de atraso e de uma dualidade entre rural e urbano.
Negar o rural é negar o urbano. Os dois espaços devem ser analisados em suas complementaridades mais do que em suas diferenças e sempre sintetizados em suas relações e não de forma isolada. A disponibilidade de infraestrutura (abastecimento, habitação, comunicação, energia), de serviços (saúde, educação) e de bens desses dois espaços, equivocadamente vistos como estanques, está cada vez mais similar. Cada vez mais as populações desses espaços criam relações com ambos meios, borrando limites entre modos, urbano e rural, e formas, campo e cidade.
Atender necessidades de jovens urbanos
Nos últimos vinte anos há um processo de desaceleração do crescimento da população jovem no Brasil (Tabela 7). Em 1996, jovens de 15 a 18 anos compreendiam 8,76% da população; em 2013, são 7,07% (e ainda menos, 6,62%, nas RMs). Jovens de 19 a 29 anos eram 18,28% da população em 1996; e 17,25%, em 2013.
A escolaridade da população de 18 a 29 anos, com ensino fundamental completo (Tabela 8), indica crescimento na média brasileira, passando de 38% em 1991 para 74% em 2010. Esse crescimento foi notado com maior expressão especialmente nas maiores cidades, em que ultrapassou 80% em todas regiões, com exceção do Norte (77%). Os Municípios de até 100 mil habitantes mostram mesmo comportamento, mas partem de valores bem abaixo da média nacional em 1991. Nos extremos, estão o Norte, onde 17% dos jovens tinham ensino fundamental completo em 1991, e 55% em 2010, e a Região Sul, com 35% em 1991 e 78% em 2010.
O ensino médio constitui-se, no Brasil contemporâneo, condicionante para ingresso no mercado de trabalho, exigido em cerca de 90% dos novos empregos. Nesse sentido, cabe apontar redução da taxa de abandono escolar precoce, com diminuição de 48% para 36,5% entre os anos de 2000 e 2010 (população jovem entre 18 e 24 anos sem ensino médio completo e que não se encontrava estudando). (IBGE, 2010b). Contudo, nota-se forte variação desse indicador relativo à renda: em 2013 o abandono escolar precoce no ensino médio corresponde a 50,8% no primeiro quinto de renda, contrastando com o abandono de 9,8% no último quinto de renda (IBGE, 2014).
No que diz respeito ao número de matrículas nas universidades, o Brasil avançou de 3,5 para 7,0 milhões desde a criação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) em 2011, assim como implantou em mais de 400 Institutos técnicos federais.
Para acesso às atividades de ensino atualmente muitos municípios já disponibilizam meia passagem ou mesmo gratuidade total, embora em geral restritas aos deslocamentos residência-estudo. Aqueles jovens que se encontram no mercado formal contam, a depender da renda, com o vale transporte, de uso irrestrito a qualquer viagem, mas com quantidade mensal restrita ao número de viagens necessárias ao deslocamento casa-trabalho.
Em relação ao trabalho informal, 2013, 17,83% dos jovens de 19 a 29 anos estavam nesta situação, em comparação com 24,45% em 2006 (Tabela 9). A Região Nordeste, no entanto, mostra percentual próximo (24,5%) ainda em 2013, mas com tendência de queda. A informalidade entre jovens é menor nas RMs do que no Brasil: 13,64%. Segundo os critérios de raça/cor, houve uma redução de jovens negros, de 19 a 29 anos empregados no mercado informal entre os anos de 2006 (24,14%) e 2013 (17,74%).
As melhorias sociais e econômicas pelas quais o Brasil passou na última década geraram aumento da renda familiar, o que sugere que muitos jovens, especialmente da periferia urbana, tiveram aliviada a pressão pela entrada no mercado de trabalho, aumentando os anos de permanência nas escolas. Contudo, como aponta Camarano e Kanso (2012), houve aumento, entre 2000 e 2010, dos jovens de 15 a 29 anos que não trabalham e estudam, estando o fenômeno relacionado aos baixos ingressos de renda e escolaridade das famílias, sendo maior quanto menor a renda.
Em 2013 o percentual de “jovens que não estudam nem trabalham” (16,68% e 10,83%, respectivamente para as faixas etárias de 19 a 29 anos, e de 15 a 18 anos) estava abaixo dos observados em 1996 (19,64% e 11,83%), mas superiores aos observados em 2006 (14,9% e 9,08%), fato que poderia ser relacionado aos momentos de expansão e retração econômica (Tabela 10). Entre as regiões, os maiores percentuais em 2013 são observados no Nordeste (21,13% para 19-29 anos e 12,54% para 15-18 anos) e os menores, no Centro-Oeste (11,39% e 9,12%, respectivamente). Os dados produzidos pelo IBGE também mostram uma dimensão racial: em 2010, 62,4% desses jovens eram negros (pretos e pardos). Se considerarmos a dimensão de gênero, notamos maior incidência entre mulheres, com percentuais superiores à média nacional em todos os anos analisados (1996, 2006 e 2013). Entre os jovens nessa categoria 60% são mulheres, e dessas 50% são mães. O componente de gênero revela, assim, novos desafios para as cidades, além da necessidade de educação e trabalho, é necessário tratar integralmente dessas esferas no espaço urbano, propiciando creches e escolas de tempo integral e acesso ao trabalho.
Um problema que impacta diretamente ao grupo jovem é a questão de segurança pública. Em 2012 houve 56 mil pessoas vítimas de homicídios no país, sendo que, do total, 53% eram jovens de 15 a 29 anos, sendo 77% negros e 93,30% do sexo masculino (WAISELFISZ, 2014). Segundo o critério de cor/raça da vítima, há tendência particular nos homicídios praticados contra jovens, entre 2002 e 2012, com redução de 32% de vítimas brancas e o aumento de 32,3% de vítimas negras (WAISELFISZ, 2014).
A taxa de homicídios (Tabela 11), sem considerar desagregação etária, varia conforme a inserção regional da cidade, tendo havido crescimento em praticamente todas as regiões, à exceção do Sudeste. Nesse sentido, em 1996, na Região Sudeste, o indicador era de 34 mortes a cada 100 mil habitantes, reduzido para 21,8, em 2009. Em contraponto, o Nordeste apresentava taxa em 1996 de 18,2 mortes por causas externas para cada 100 mil habitantes, passando para a segunda colocação em 2009, seguido pelo Centro-Oeste, respectivamente com taxas de 33,5 e 32,4 a cada 100 mil habitantes. Esse fato em si retrata o processo de descentralização e crescimento acelerado das duas regiões, que, com maior presença de população jovem, tendem a apresentar evolução mais intensa do índice de mortalidade para esses grupos específicos.
A população jovem encarcerada cresceu 32%, entre 2007 e 2012, chegando a 266,3 mil pessoas (Tabela 12). Esse contingente é superior ao de não jovens (214 mil), mas a variação do encarceramento de não jovens foi maior. Se considerarmos o critério raça/cor, a taxa de negros encarcerados (jovens e não jovens) também cresceu 32% no mesmo período, enquanto entre brancos cresceu menos, 26%.
A população encarcerada (novamente entre pessoas de qualquer idade) é maior entre homens do que entre mulheres (Tabela 13): 483,6 mil contra 31,8 mil em 2012; mas a variação de 2007 a 2012 foi maior entre mulheres: mais 67% contra mais 39% entre homens.
Correlacionando os dados de escolaridade, violência e encarceramento, nota-se primeiramente que jovens negros permanecem vivenciando situações de vulnerabilidade, em que pese a existência de políticas públicas sociais e de enfrentamento ao racismo. O mesmo acontece com as mulheres que experimentam situações mais sensíveis, necessitando políticas específicas e adaptadas.
Os fenômenos elencados têm forte correlação com a renda e, por conseguinte, com a localização das pessoas no território e as oportunidades de acesso que lhes são apresentadas. Nesse sentido, a drástica diminuição das várias formas de violência urbana, que parece resumir uma série de necessidade dos mais jovens, tem sua solução muito além das políticas raciais e de gênero isoladamente. Novos modelos de urbanização, com especial atenção às áreas de expansão da fronteira urbana e reurbanização integral e integrada de assentamentos precários são políticas que devem ser continuadas e aprofundadas levando urbanidade a todos na cidade.
Responder às necessidades das pessoas idosas e das pessoas com deficiência
No sentido oposto, o crescimento da população idosa se acelera no último período, desde Habitat II. A proporção da população idosa brasileira (com 60 anos ou mais) representava em 1996 cerca de 8,61% da população, passando para 10,18% em 2006 e 13,04% em 2013 (Tabela 3). A desagregação dos dados por gênero evidencia a feminização da população idosa em todos os anos analisados, inclusive comparativamente com percentuais maiores que a média nacional (9,31% em 1996, 11,10% em 2006 e 14,09% em 2013).
Quando comparamos as regiões do país, em todas há aumento da proporção de pessoas idosas, porém a Região Norte apresenta menor percentual entre os anos analisados. Assim, em 2013, as regiões Sul e Sudeste apresentaram as maiores proporções de pessoas idosas – 14,55% e 14,17%, respectivamente –, contra apenas 8,83% no Norte.
O percentual de pessoas idosas “arrimo de família” (Tabela 16), assim considerados os casos em que a renda da pessoa idosa for superior a 50% da renda domiciliar, manteve-se relativamente estável, com leve aumento, nos últimos vinte anos (40,61% em 1996, 43,77% em 2006 e 42,01% em 2013).
Os dados demonstram que um grande número de pessoas idosas garante a sobrevivência de suas famílias e, de certa forma, contribui com o dinamismo da economia do país. Ao analisarmos as RMs brasileiras, há um quadro diverso, com crescimento mais expressivo dessa situação, de 35,69% em 1996 para 44,32% em 2006 e 49,94% em 2013.
Os dados sugerem que a sociedade e as cidades irão conviver com mais intensidade com os desafios de uma grande população idosa, que demanda serviços e infraestrutura específica e que tem papel estruturante na economia e na dinâmica urbanas.
Nesse sentido é importante notar que o envelhecimento da população está relacionado às conquistas dos direitos da pessoa idosa e nas políticas públicas de saúde, assistência e educação. A propósito, em 2011, 96% dos Municípios indicaram possuir alguma ação ou política para a população idosa (Tabela 15).
Da mesma forma, é crucial garantir o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência, estimadas em 23,91% da população brasileira, segundo o Censo 2010, e cuja grande maioria (84,36%) vive em áreas urbanas. Para tanto, as cidades precisam oferecer a igualdade de oportunidades e a acessibilidade arquitetônica, comunicacional e atitudinal, de acordo com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual foi adotada pelo Brasil com equivalência de emenda constitucional.
Assim, cabe ao Poder Público, nos três níveis da Federação, tomar todas as medidas apropriadas para possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, com acesso ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação e a serviços e instalações abertos ao público e de uso público. Ilustrativo do grande desafio federativo da acessibilidade é o dado de que, em 2011, quase a metade dos municípios (42,6%) não possuía qualquer item de acessibilidade no prédio de suas prefeituras e apenas 290 delas (5,2% do total) permitiam acesso a pessoas acompanhadas de cão-guia. (IBGE, 2011)
A efetivação dessas políticas passa pelo acesso de pessoas idosas e pessoas com deficiência às ações públicas, no que tange à mobilidade cotidiana. Aí se coloca um grande desafio, não só de possibilitar a mobilidade, mas que essa se dê em ambiente seguro e acessível. A sexta causa de morte entre pessoas idosas no Brasil, em 2011, foram as “causas externas” (3,4%), sendo a morte por acidente de trânsito o segundo motivo desta categoria. Desagregando-se os dados por idade e gênero, conclui-se que morrem por esse motivo mais homens idosos(37,2%, 60-69 anos; 32,3%, 70 -79 anos; 18,3%, 80 anos ou mais) do que mulheres idosas (36,0%, 60-69 anos; 24,0%, 70-79 anos; 7,2%, 80 anos ou mais) (BRASIL, 2014g).
O sistema viário tem papel importante à humanização das cidades, viabilizando a inclusão de grupos populacionais com mobilidade reduzida, pessoas idosas, com deficiência e também crianças. Assim, o exercício de direitos com autonomia pela população idosa ou com deficiência exige adequação do sistema viário às suas especificidades, devendo-se priorizar a construção de calçadas (passeios), faixas de pedestres e passarelas. Contudo, constata-se que, em 2011 (Tabela 17), apenas 17,1% das pessoas idosas residindo em Municípios com menos de 100 mil habitantes contavam com algum tipo de política de acessibilidade. No sentido oposto, estão as cidades com população entre 1 e 5 milhões, as quais, em 100% dos casos, informaram ter algum tipo de política de acessibilidade. O Censo 2010 ainda verificou que somente 66,4% dos moradores em domicílios particulares permanentes contavam com calçadas no entorno de seu domicílio e apenas 3,9% dispunham de rampas para cadeiras de rodas.
A questão da capacidade econômica da pessoa idosa de acesso ao transporte coletivo é tema superado no Brasil, que assegurou constitucionalmente gratuidade ao sistema, o que também acontece por meio de politicas especificas em diversas atrações de cultura e lazer, gratuitas ou com descontos de 50% para pessoas idosas. Apesar disso – e, em alguma medida, em virtude disso –, há grande resistência na adoção de veículos de transporte coletivo mais acessíveis, como ônibus urbanos de piso baixo e ônibus rodoviários com plataforma elevatória.
No que diz respeito à habitação, duas questões devem ser consideradas: o acesso ao bem, o financiamento para pessoas idosas e pessoas com deficiência e a adequação dos projetos, inclusive dos espaços de sociabilidade. O Estatuto do Idoso garante a reserva de pelo menos 3% (três por cento) das unidades habitacionais residenciais. Atualmente, o programa Minha Casa Minha Vida garante 6,2% das unidades habitacionais para as pessoas idosas. Já a população com deficiência com renda inferior a R$ 1.600 tem prioridade no financiamento das casas do programa, todas elas adaptáveis, o que significa que todos os ambientes têm espaço para manobras de cadeiras de rodas, portas com no mínimo 80cm de vão livre e instalações elétricas mais baixas, entre outras medidas. Além disso, 3% das casas são adaptadas – ou seja, recebem kits de acordo com a deficiência do morador (auditiva, física, intelectual, visual ou nanismo).
Para os próximos vinte anos, entende-se que a principal meta à população idosa ou com deficiência nas cidades seja garantir mobilidade, com acessibilidade, segurança e autonomia, viabilizando inclusive o convívio social e a efetivação de direitos, ampliando particularmente os serviços nos Centros de Referencia da Assistência Social e em outros equipamentos e serviços de proteção social.
Integrar gênero no desenvolvimento urbano
Nos últimos anos, aumentou no Brasil a proporção de domicílios chefiados por mulheres. Em 1996, cerca de 26,27% dos domicílios urbanos tinham essa condição, passando para 33,89% em 2006, e 41,37% em 2013 (Tabela 18). Entre as regiões, os percentuais mais altos estão no Nordeste e Norte (respectivamente, 44,41% e 44,03%). Nas favelas, esta proporção ainda é maior, 46% (DATA POPULAR, 2014). Também aumentou a proporção de domicílios nos quais as mulheres são arrimo de família (Tabela 19), ou seja, respondem por mais de metade da renda domiciliar: de 18,87% em 1996 para 27,19% em 2013. O Nordeste, mais uma vez, mostra a mais alta proporção: 32,19% em 2013.
O índice de desigualdade dos rendimentos recebidos pelas mulheres, em relação aos homens, diminuiu nos últimos anos (Tabela 20). Em 1996, a diferença era de 33% a mais para os homens e, em 2013, é de 23%, em ambos os casos considerando empregos formais. Contudo, a desigualdade é maior quando se leva em conta os empregos informais: em 1996, a diferença era de 41% a mais para os homens e, em 2013, é de 37%. A desigualdade de gênero, somada à desigualdade de cor/raça, faz que as mulheres negras representem 32% do total de trabalhadores que recebem um salário mínimo (OIT, 2014).
Há que se pensar na jornada de trabalho de maneira mais ampla como indicador do trabalho decente, para homens e mulheres. Assim, tomando como exemplo a jornada total de trabalho das mulheres, ou seja, incluindo o tempo ainda dedicado quase que exclusivamente por elas aos afazeres domésticos e o cuidado com filhos e pessoas idosas, as mulheres trabalhem, em média, cerca de 5 horas a mais do que os homens (OIT, 2014).
Deve-se destacar o esforço realizado pelo Brasil para a construção de forma participativa do primeiro7 e do segundo8 Plano Nacional de Políticas para Mulheres. A participação local decorrente da construção do segundo plano contribuiu para a difusão e ampliação do local na política nacional, que consequentemente, resultou na construção de marcos políticos locais: os planos municipais de políticas para mulheres.
Com efeito, se em 2006 o número de Municípios que haviam adotado planos municipais era insignificante, em 2013 o quadro era distinto: 64,3% dos Municípios com população de 1 a 5 milhões já o possuíam, por exemplo, (Tabela 21). Esse instrumento parece ser característico das maiores cidades, visto que os percentuais caem à medida que diminui o porte da cidade: apenas 2,5% dos Municípios com menos de 100 mil habitantes contam com planos.
A qualificação dos espaços públicos é fundamental para integrar gênero no desenvolvimento urbano. É importante pensar, planejar e produzir a cidade como espaço de garantia de direitos humanos das mulheres, ou seja, da adequação do sistema de transporte, iluminação pública e segurança como forma de enfrentamento das desigualdades de gênero. Outro ponto que merece atenção refere-se à importância de produção de espaços seguros e saudáveis para as trabalhadoras ambulantes, que constituem grande número nas cidades brasileiras, em sua maioria pobres e em situação de precariedade em termos de trabalho. A importância de atendimento sanitário (banheiros públicos em centros urbanos), seja para os pedestres de forma geral, seja para as trabalhadoras ambulantes, não é fato negligenciável, e com efeito é uma questão que incide fortemente em termos de gênero (IBANHEZ, 1999).