III. Meio ambiente e urbanização: questões e desafios para uma Nova Agenda Urbana
A degradação do ambiente urbano é um dos principais problemas a serem equacionados nas cidades, uma vez que seus resultados atingem de maneira geral o conjunto da população, ainda que não de forma equitativa, considerando as iniquidades presentes no território e a diferença na capacidade de adaptação dos diversos estratos socioeconômicos. Neste sentido, os impactos das transformações ambientais são mais profundos nas áreas mais carentes de infraestrutura e de serviços urbanos.
As mudanças climáticas que têm ocasionado eventos extremos não implicam simplesmente na ampliação dos riscos de desastres naturais, mas na acentuação da possibilidade que esses ocorram em áreas de urbanização desordenada, já previamente classificadas como de risco, ocupadas pela parcela mais vulnerável da população historicamente não atendida em sua plenitude pelas políticas públicas de acesso à moradia, implicando primeiramente numa questão e num problema socioespacial.
Os maiores desafios ambientais das cidades brasileiras consistem em: equacionar o problema das ocupações em áreas de risco ambiental, inclusive com realocação de moradias sempre que necessário; coletar e tratar a totalidade do esgoto produzido; destinar de forma ambientalmente adequada os resíduos sólidos, observada a ordem de prioridade das etapas de gestão e de gerenciamento dos resíduos sólidos (não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos); implantar sistemas completos de drenagem urbana; além de controlar as emissões locais associadas, sobretudo, ao trânsito de veículos automotores. Aspecto fundamental a ser internalizado no desenvolvimento de roteiros metodológicos para a revisão e implementação dos planos diretores municipais é a observância de zoneamentos ambientais prévios como plataformas de planejamento que resgatem e incorporem a visão ecossistêmica nos ecossistemas heterotróficos urbanos.
Lidar com mudanças climáticas
As mudanças climáticas configuram-se como uma nova agenda global a pautar as agendas urbanas dos países e cidades do mundo inteiro. Em 2009 o Governo Federal aprovou a Política Nacional sobre Mudança do Clima, que oficializa o compromisso voluntário do país junto à Convenção- Quadro da ONU sobre Mudança do Clima. São instrumentos para a execução da política, o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima e a Comunicação Oficial do Brasil à Convenção-Quadro sobre as Mudanças do Clima, entre outros.
O Plano Nacional foi aprovado em dezembro de 2008 e revisado em 2014. Em 2013 foram lançados os Planos Setoriais de Mitigação e Adaptação: Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, no Cerrado, Plano Decenal de Energia, Plano de Agricultura de Baixo Carbono, Plano Setorial de Mitigação da Mudança Climática para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Indústria de Transformação, Plano de Mineração de Baixa Emissão de Carbono, Plano Setorial de Transporte e de Mobilidade Urbana para Mitigação da Mudança do Clima, Plano Setorial da Saúde para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima, Plano de Redução de Emissões da Siderurgia. Esses Planos vão além da proposta brasileira apresentada em 2009 como compromisso voluntário, anotado no chamado Acordo de Copenhague.
Destes planos setoriais, merece destaque no presente relatório o Plano Setorial de Transporte e de Mobilidade Urbana para Mitigação da Mudança do Clima. O plano apresenta diretrizes e metas desafiadoras, no sentido de diminuir o peso da participação do transporte individual na matriz nacional e aumentar a participação do transporte público coletivo na matriz de mobilidade. Segundo o plano as emissões de CO2 pela queima de combustíveis no transporte rodoviário de passageiros aumentaram quase que ininterruptamente desde 1985 até os dias atuais (BRASIL, 2013a). Apesar da crescente popularização do etanol por conta dos veículos bicombustíveis, os combustíveis fósseis corresponderam por 70% do total consumido no transporte rodoviário de passageiros em 2010. Além disso, o plano informa que o consumo de combustíveis cresceu 24,2% entre 2000 e 2010, impulsionado principalmente pelo transporte “individual” que, em 2010, foi responsável por 78% deste consumo.
Outro tema importante para o debate da Habitat III refere-se ao Plano Nacional de Adaptação à Mudanças do Clima, cujo processo de elaboração se iniciou em 2013 com previsão de término em 2015. O tema da adaptação é importante para as cidades considerando os impactos locais decorrentes da mudança do clima. O plano aborda 11 temas, incluindo infraestrutura, cidades e indústrias. Fazendo referência a iniciativas locais merece destaque a cidade do Rio de Janeiro, primeira a elaborar seu Plano de Resiliência contra Chuvas Fortes, em parceria com a Secretaria Nacional de Defesa Civil.
Ademais, apesar de serem inevitáveis ações urgentes, consideram-se absolutamente necessárias políticas públicas de longo prazo, articulando estratégias multidimensionais, multissetoriais e multiescalares em torno da nova agenda urbana. Neste sentido, a noção dos direitos humanos, do direito à água, ao saneamento, à moradia, ao transporte e a uma cidade sustentável pode se constituir estrategicamente num diálogo intergovernamental das agendas de longo termo.
Ainda, no tocante ao debate sobre mudanças climáticas no meio urbano, destaca-se a importância de formular o conceito de resiliência nas cidades dos países em desenvolvimento, de modo a articulá-lo com o debate do direito à cidade, incorporando a questão da apropriação tecnológica e do uso de tecnologias apropriadas e adaptadas, bem como do avanço da cooperação sul-sul.
Redução de riscos de desastres
O Brasil tem experimentado, anualmente, situações de emergência relacionadas à ocorrência de eventos climáticos extremos. Dessa forma, novos desafios se colocam e algumas regiões do país passam a estar sujeitas a situações de risco ambiental. A Região Sudeste, por exemplo, tem experimentado um processo de aumento expressivo destes fenômenos.
A recorrência de desastres naturais, especialmente enchentes, desmoronamento e deslizamentos, são muitas vezes a consequência de uma urbanização excludente e que permitiu a ocupação de áreas impróprias à moradia, tais como beiras de córregos e encostas que desalojam famílias e exigem resposta do poder público para reparação dos danos provenientes da catástrofe, especialmente no que tange à moradia.
Dados da Secretaria de Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional mostram à ocorrência de eventos extremos e desastres nos municípios brasileiros (Tabela 28) ligados a estiagem, inundações, secas, chuvas extremas, alagamentos e deslizamentos.
Entre 2006 e 2014 ocorreram no Brasil 11.344 desastres naturais relacionados a estiagem, a grande maioria na região Nordeste (7.970). Neste mesmo período, desastres decorrentes do alto índice de precipitação pluviométrica foram registrados 4.528 eventos relacionados a enxurradas, sendo 2.013 na região Sul, 1.323 no Sudeste e 791 eventos no Nordeste. Foram registradas 3.016 inundações em todo o pais entre 2006 e 2014, sendo 1.037 na região Sudeste, 765 no Nordeste, 533 no Norte e 521 na região Sul. Quanto às ocorrências de secas, foram 1.904 entre 2006 e 2014 no Brasil; destas, 1.481 são referentes ao Nordeste, 393 ao Sudeste, 24 ao Norte e 6 ao Sul, sem nenhum registro no Centro-Oeste. Foram ainda identificados 612 alagamentos em todo o Brasil, sendo que 245 se referem ao Sudeste, 186 casos à região Sul e 93 casos à região Nordeste. Foram registrados 594 casos de chuvas intensas no Brasil, sendo 346 casos no Sul, 111 casos no Sudeste e 104 no Centro- Oeste; no Norte e no Nordeste os dados mostram que ocorreram 24 e 8 eventos, respectivamente.
Além de ocasionarem deslocamentos populacionais temporários ou permanentes, desastres relacionados a eventos extremos estão associados ao agravamento de problemas de saúde que podem se manifestar na forma de doenças hidro-transmissíveis e infecto-contagiosas, além de estresse, depressão e problemas sociais, econômicos e psicológicos advindos da perdas humanas e materiais.
Também quanto a esse tema mais uma vez as RMs devem ter especial atenção das politicas públicas por diversos fatores: grau de impermeabilização do solo, que favorece o fenômeno das ilhas de calor e inundações e alagamentos; ocupação de áreas frágeis do ponto de vista ambiental, principalmente por população de baixa renda; dificuldades de dispersão dos poluentes em regiões de grandes aglomerados populacionais, etc.
É necessário ampliar a gestão de riscos e monitoramento de desastres de forma integrada nos três entes da federação. Para tanto, o Brasil vem desenvolvendo ações de acordo com os protocolos internacionais de Redução de Risco de Desastres Naturais, estando alinhado inclusive com as diretrizes estabelecidas pelo recém assinado Marco de Sendai (2015), em continuação ao Protocolo de Hyogo (2005).
Nesse sentido, em 2011, o Brasil estruturou um sistema de monitoramento e alerta, com a criação do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, e, em abril de 2012 aprovou, através de lei federal, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, que estruturou um sistema nacional sob a ótica de ações de prevenção, monitoramento e resposta a desastres, tratando também da criação do Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil. A lei estabelece deveres da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios quanto às medidas necessárias para a redução dos riscos de desastres.
Nesse mesmo ano foi elaborado o Protocolo Nacional Conjunto para Proteção Integral a Crianças e adolescentes, Pessoas Idosas e Pessoas com Deficiência em Situação de riscos e Desastres, que, , sob a coordenação da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e do Ministério da Integração Nacional, tem como principal objetivo assegurar a proteção integral e reduzir a vulnerabilidade desses sujeitos de direito nas situações de riscos e desastres.
Ainda em 2012, foi lançado o Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres, arranjo que impulsionou substancialmente a política nacional sobre o tema nos últimos anos. O Plano estabeleceu eixos de atuação em gestão de risco, sob os aspectos de mapeamento, monitoramento, prevenção, resposta e governança, tendo atuação integrada dos Ministérios das Cidades, do Ministério da Integração Nacional, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e também do Ministério de Minas e Energia e do Ministério Meio Ambiente. Uma das formas de integração interinstitucional vem sendo feita por meio do fortalecimento da gestão integrada de gerenciamento de desastres naturais por meio de parcerias internacionais, dentre elas, ressalta-se a firmada com o governo japonês, com duração prevista de 4 anos (2013-2017) e com o escritório da UNISDR (Escritório das Nações Unidas para Redução de Risco de Desastres).
No campo do mapeamento, expandiu-se o conhecimento sobre as áreas de risco no País com a produção de mapeamentos de suscetibilidade e identificação de setores de risco alto e muito alto a inundações, enxurradas e deslizamentos em diversos municípios, além do desenvolvimento do Atlas de Vulnerabilidade a Inundações, que reúne informações sobre o grau de vulnerabilidade a inundação em trechos de rios nos Estados brasileiros.
No campo do monitoramento, avançou-se na instalação de salas de situação voltadas ao monitoramento hidrológico em quase todas as unidades da federação, em parceria com os governos estaduais, com o objetivo de acompanhar a evolução das chuvas, os níveis dos reservatórios e as vazões dos rios, auxiliando na prevenção de inundações e secas. No âmbito local, o Município de Blumenau em Santa Catarina se tornou referência nacional por criar um sistema local de monitoramento do clima e dos níveis de rios para prevenir desastres relacionados à inundações, deslizamentos e alagamentos, com forte atuação nas ações de conscientização e participação popular.
No campo da resposta, implantou-se a informatização do processo de reconhecimento federal de situação de emergência ou estado de calamidade pública, via Sistema de Informação Integrada sobre Desastres – S2ID e instituiu-se o Cartão de Pagamento de Defesa Civil, que permite a transferência de recursos da União para socorro e assistência a vítimas de desastres. No entanto, ainda é um grande desafio o fortalecimento das defesas civis estaduais e municipais para atuação imediata no momento pós-desastres.
Finalmente, no campo da prevenção, avançou-se no desenvolvimento e implementação de medidas estruturantes e não estruturantes. O Ministério das Cidades investe, atualmente, recursos da ordem de R$ 2,3 bilhões para apoio a estados e municípios na elaboração de projetos e execução de obras de contenção de encostas em áreas urbanas com alto risco a deslizamentos, bem como para a elaboração de planos municipais de redução de riscos e cartas geotécnicas de aptidão à urbanização, instrumentos fundamentais para a prevenção da formação de novas áreas de risco.
É uníssono afirmar que uma das formas mais eficientes e eficazes de se prevenir as situações de riscos a desastres naturais se dá através do planejamento e ocupação do território urbano. Nesse condão o Ministério das Cidades, em parceria com o governo japonês vem desenvolvendo metodologias para planejamento da expansão urbana que leva em conta as variáveis relacionadas ao risco de ocorrência de enxurradas e deslizamento de encostas. Pretende-se com essa ação disponibilizar aos municípios um roteiro metodológico de como tratar o tema de forma adequada na fase de planejamento, mitigando os riscos de desastres naturais e, ao mesmo tempo, otimizando o uso e a ocupação do solo urbano.
Outra frente de trabalho relativa à prevenção é a provisão de moradia adequada para a população que reside em áreas de risco. Para um realizar amplo diálogo nacional sobre o direito humano à moradia adequada, receber e monitorar as denúncias de violações aos direitos humanos à moradia adequada e elaborar e propor diretrizes para efetiva garantia do direito à moradia, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH, órgão vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, instituiu, em 2012, um Grupo de Trabalho sobre a garantia do direito humano à moradia adequada, no âmbito do qual foi instituído um subgrupo especifico para analisar as condições de moradia em decorrência de desastres naturais e situações emergenciais, que destacou diversos desafios em relação a esse tema, a saber:
(1) Regulamentar a Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil,
(2) Criar um programa específico para reconstrução pós-desastre, que preveja, além da moradia, toda infraestrutura urbana necessária e que seja focado na gestão do risco,
(3) Fomentar junto aos Governos Estaduais e às Prefeituras Municipais o fortalecimento das estruturas locais de Defesa Civil,
(4) Aperfeiçoar os equipamentos e instrumentos para monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico do País, viabilizando a comunicação célere e precisa de alertas de eventos adversos aos órgãos de defesa Civil e população interessada,
(5) Estabelecer Centros de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS) nos municípios atingidos por desastres naturais, tecnológicos e situação de risco, visando o atendimento psicossocial pós-trauma das pessoas afetadas.
Redução de congestionamentos
Lembrando que segregação e exclusão socioespacial e fragmentação urbana são realidades intimamente ligadas à mobilidade, pensar a redução dos congestionamentos deve ser medida associada a melhoria da qualidade de vida de todos, não tendo como objetivo primeiro a simples melhoria da circulação para o automóvel particular.
O aumento da frota de veículos particulares e das consequentes retenções de trânsito implica na a perda de qualidade de vida do conjunto dos cidadãos, com aumento da poluição sonora, do ar, da temperatura local e dos índices de acidentes. Para aqueles que usam o transporte público, que ainda disputa espaço com os automóveis, essa situação implica ainda aumento do tempo de deslocamento e dos custos do transporte, gerando ineficiência em todo o sistema.
Em termos gerais, na média, 44,3% da população do Brasil utiliza o transporte público para o seu deslocamento, estando em segundo lugar o carro, seguido da motocicleta, utilizados por 23,8% e 12,6% da população brasileira, respectivamente (Tabela 29). A população que reside nas cidades da Região Sudeste faz o maior uso do transporte público (50,7%), ao mesmo tempo em que é a região que mais se utiliza do transporte individual.
Um indicador indireto da presença de congestionamentos é o tempo que as pessoas levam para ir de suas casas até os locais de trabalho. Constata-se que desde 1996, mantém relativamente estável, mas em nível alto o número de pessoas que levam mais de 30 minutos para esse deslocamento (Tabela 31): em 1996, eram 30,45%; em 2006, 33,76%; e em 2013, 31,15%. Os maiores percentuais foram observados na Região Sudeste: 35,64% em 1996; 40,61% em 2006; e 36,99% em 2013. Nas RMs, neste último ano, 47,29 % das pessoas já levavam mais de 30 minutos nesses deslocamentos. Nas RMs do Sudeste, 52,12% da população ultrapassava os trinta minutos, sendo esse o maior valor dentre as regiões brasileiras, enquanto os menores foram observados nas regiões Norte (36,12%) e Sul (35,84%).
Nos últimos anos, investimentos vêm sendo realizados com objetivo de equilibrar o sistema de mobilidade urbana, reduzindo o tempo de deslocamento e mudando o paradigma com relação à prioridade dada ao transporte individual, promovendo maior qualidade do transporte público, transparência e controle social. Um montante superior a R$ 150 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, está sendo investido em sistemas de alta e média capacidade – ferroviários, metroviários, corredores exclusivos etc. – em todo o território nacional.
Pode-se observar que investimentos no sistema viário não são mais exclusivamente voltados para o transporte individual, tendo mudado seu foco de forma positiva para os sistemas de transporte público. São, entretanto, ainda poucas as experiências de integração entre o uso e ocupação do solo com o sistema de mobilidade, incluindo pedestres e ciclistas, enquanto ação para redução dos congestionamentos nas cidades. Uma alternativa em curso é a elaboração e a implementação dos Planos de Mobilidade Urbana municipais que, de forma integrada ao Plano Diretor Municipal e aos instrumentos do Estatuto da Cidade, podem relacionar diretrizes de uso e ocupação do solo com as diretrizes de otimização dos sistemas de transportes, visando reduzir os impactos negativos da expansão desordenada das cidades e contribuir com a reversão de seus efeitos de imobilidade e exclusão territorial.
Tendo em vista o aumento da circulação de automóveis, duas metas se impõem. A primeira é relativa à instituição de políticas e programas que regulem o uso do automóvel particular, sendo as políticas de estacionamento um dos exemplos possíveis. Uma segunda meta, que transformaria os padrões de mobilidade e atingiria a questão dos congestionamentos, seria instituir mecanismos para que a propriedade e/ou o uso do transporte individual contribua com os investimentos no transporte coletivo e não motorizado, gerando benefícios para ambos modos. Ambos aspectos estão abordados na Política Nacional de Mobilidade Urbana, que ainda dispõe para os gestores locais uma lista, em rol não exaustivo, de instrumentos de gestão da demanda a serem utilizados.
Poluição Atmosférica
A poluição do ar é um tema crítico na agenda global e especialmente nas grandes cidades tem sido associada ao agravamento de doenças respiratórias, cardiovasculares e neurológicas. Estudos indicam também a correlação entre a exposição a alguns poluentes e a ocorrência de certos tipos de câncer. Além dos efeitos na saúde humana, os poluentes atmosféricos podem trazer impactos aos ecossistemas naturais. Os efeitos da poluição atmosférica podem ainda ter consequências sociais e econômicas, como exemplo temos a maior vulnerabilidade das populações carentes, os custos do sistema de saúde com internações hospitalares e a queda da produtividade agrícola.
Os poluentes atmosféricos podem ser definidos como as substâncias emitidas à atmosfera que tornam ou podem tornar o ar impróprio, nocivo ou ofensivo à saúde; inconveniente ao bem-estar público; danoso aos materiais, à fauna e flora, prejudicial à segurança, ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade. Das substâncias poluentes do ar, podem ser destacadas as seguintes: dióxido de enxofre (SO2), dióxido de nitrogênio (NO2), monóxido de carbono (CO), ozônio (O3), hidrocarbonetos (HC) e o material particulado, que são os poluentes tratados como prioritários na agenda nacional de qualidade do ar, devido a sua característica de representatividade de emissões antrópicas e sua larga utilização internacional na quantificação das emissões e concentrações de poluentes atmosféricos em uma determinada região.
Com relação as fontes emissoras de poluição atmosférica, estas podem ser classificadas com relação a sua tipologia (fontes fixas, móveis ou lineares) e ainda de acordo com a origem das emissões (naturais ou antrópicas).
No Brasil as principais fontes de emissões atmosféricas de poluentes são o setor industrial e o setor de transportes, sendo que o setor de transportes, nos últimos anos, tem apresentado maior influência no ambiente urbano e em seus habitantes, devido ao aumento constante da frota de veículos, ao aumento da concentração destes nas cidades e também devido ao processo de desconcentração de indústrias que vem ocorrendo no território nacional. Mesmo ainda sendo uma das mais graves questões ambientais, pode-se afirmar que a poluição atmosférica tem diminuído muito nos últimos trinta anos, de forma generalizada, sendo ainda um problema preponderante nas grandes áreas metropolitanas e em polos industriais específicos. Isto se deve, principalmente, ao estabelecimento cada vez mais rígido de limites máximos de emissão para fontes fixas e móveis e ao processo de desconcentração industrial.
A gestão da qualidade do ar no Brasil segue a lógica federativa estabelecida pela Constituição Federal de 1988, com responsabilidades compartilhadas entre seus entes, cabendo ao governo federal, aos governos estaduais e municipais cumprirem as regulações existentes.
A emissão de poluentes atmosféricos no Brasil é regulada pelas resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), datando de 1989 a Resolução CONAMA nº 5, que criou o Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar (PRONAR).
O PRONAR é composto de estratégias e instrumentos para a gestão da qualidade do ar, tendo como estratégias básicas o estabelecimento de limites nacionais para as emissões, por tipologia de fontes e poluentes prioritários, reservando o uso dos padrões de qualidade do ar como ação complementar de controle.
Sob uma ótica voltada à gestão e como meio de instrumentalizar suas medidas, outros programas foram incorporados ao PRONAR como: (i) Programa de Controle da Poluição por Veículos Automotores (PROCONVE); (ii) Programa Nacional de Controle da Poluição Industrial (PRONACOP); (iii) Programa Nacional de Avaliação da Qualidade do Ar; (iv) Programa Nacional de Inventário de Fontes Poluidoras do Ar e (v) Programas Estaduais de Controle da Poluição do Ar.
Os padrões de qualidade do ar foram estabelecidos pela resolução CONAMA nº 3, de 1990, que define as concentrações máximas toleráveis de poluentes do ar e são um dos principais instrumentos de gestão da qualidade do ar utilizados pelos estados. Estes padrões encontram-se atualmente em discussão no CONAMA, tendo em vista as mudanças tecnológicas e os conhecimentos mais atuais dos impactos destes poluentes à saúde humana e ao ambiente, sendo que os valores propostos são equiparáveis aos recomendados pela Organização Mundial da Saúde, em 2005, como sendo os valores mais seguros a saúde humana.
O PROCONVE pode ser destacado como um dos programas ambientais mais exitosos no país, tendo sido iniciado em 1986 e posteriormente englobado no PRONAR, como um de seus programas. O PROCONVE limita as emissões de veículos automotores pelo estabelecimento contínuo de fases, nas quais são definidos os limites máximos de emissão que cada tipologia de veículo pode emitir, de maneira que apenas veículos que se enquadram nestas emissões podem ser comercializados no mercado brasileiro.
Ainda com relação ao setor rodoviário, o Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários 2013: Ano-Base 2012 (BRASIL, 2014b), trouxe os dados mais atuais das emissões de poluentes atmosféricos deste modal. Nos dados apresentados, nota-se o declínio da emissão de poluentes, em detrimento ao grande aumento na frota veicular nacional observado nos últimos anos, fruto das diversas regulações estabelecidas no âmbito do PROCONVE.
No que se refere as fontes fixas de emissão de poluentes, o Brasil conta atualmente com limites de emissão extremante rigorosos instituídos pelas resoluções CONAMA nº 382/2006, que instituiu limites para as novas fontes, instaladas a partir de 2007, e nº 436/2011, que impôs limites as fontes já existentes, instaladas até 2007, resultando na melhoria de todo o parque industrial nacional, com relação a emissão de poluentes atmosféricos.
Este conjunto de normativas, e a atuação dos órgãos ambientais, tem assegurado a melhoria da qualidade do ar no país, fato que pode ser observado na tabela 32, onde nota-se a melhoria dos índices de morbidade em todas as regiões do país.
O 1º Diagnóstico das Redes de Monitoramento da Qualidade do Ar, lançado em 2014, traçou um panorama da situação atual das redes de monitoramento existentes no país.
Quando da elaboração do diagnóstico, apenas 12 estados possuíam algum tipo de monitoramento e destes apenas 09 possuíam dados históricos confiáveis e com publicidade constante de seus dados na internet. Neste estudo foi possível verificar a grande disparidade entre os estados com relação a gestão da qualidade do ar, seja em número de estações, nos critérios para a instalação de equipamentos, no tamanho das equipes de trabalho ou mesmo no formato de publicação dos resultados. O estudo possibilitou vislumbrar as ações futuras para que se tenha uma cobertura em âmbito nacional e a geração de dados confiáveis. Foi verificada a necessidade de ampliação das redes, capacitação de técnicos, criação de normativas para a instalação de equipamentos, validação de dados, além da necessidade de ampliação de recursos para serem aplicados nestas demandas.
Em março de 2014, no XIX Foro de Ministros de Meio Ambiente da América Latina e do Caribe, realizado no México, o Brasil foi signatário do Plano de Ação Regional de Cooperação Intergovernamental em Poluição Atmosférica para América Latina e Caribe. Este plano tem o objetivo principal de formular diretrizes comuns, de curto, médio e longo prazo, para redução da contaminação atmosférica na região e mitigar as emissões de contaminantes prioritários, e diminuir de forma substancial seu impacto em nível local, regional e mundial. Especificamente aos países, pode ser citado o objetivo de melhorar a qualidade do ar e da saúde pública, mediante a elaboração, aplicação e cumprimento de planos nacionais de redução dos contaminantes do ar prioritários. Este objetivo está sendo internalizado pelo Brasil, prevendo-se a elaboração de seu plano nacional como um de seus próximos passos na agenda interna de melhoria da qualidade do ar.
A elaboração do Plano Nacional Brasileiro vem em momento oportuno, no qual já há a consolidação de instrumentos importantes para a gestão da qualidade do ar, como o estabelecimento de limites máximos de emissões de poluentes para as fontes fixas e móveis, a fixação de padrões de qualidade do ar e a elaboração de inventários regulares. Contudo, há ainda um vasto caminho a ser percorrido para a mais eficiente gestão, principalmente no que diz respeito à articulação entre as diferentes esferas de governo e a gestão territorial integrada das regiões metropolitanas.