Intelectual inconformado, arquiteto desafiador e humanista apaixonado. Uma “lenda viva”.

Por Júlio Moreno

Em seu escritório, no quinto andar do histórico prédio do IAB/SP, na Vila Buarque, centro da capital paulistana, Paulo Mendes da Rocha sente-se “o dono da casa”. Como tem a chave da porta do prédio, pode virar duas, três noites sem dormir elaborando projetos, imerso entre estantes com caixas de papelão, maquetes (algumas feitas por ele mesmo) e uma colagem de Flávio Motta na parede amarelada. “É um ir e vir sem dificuldades”, comenta ele com a satisfação de não ter que passar por seguranças e roletas.

Com igual facilidade, aos 87 anos de idade o mais renomado arquiteto vivo do Brasil circula cada vez mais pelas grandes mostras, seminários e celebrações internacionais de Arquitetura, junto com a esposa e designer de jóias Helene Afanasieff. Sem afetações de celebridade, transita nesses ambientes com a mesma naturalidade com que costuma fumar um cigarro – vício antigo – olhando o edifício Copan pela janela de seu escritório ou comer um churrasco no restaurante gaúcho da esquina. Nem poderia ser de outra forma para quem tem ideia de que “estamos em cima de um planetinha, girando perdidos no universo”.

Entre outras honrarias, ele já recebeu o Prêmio Mies van der Rohe de Arquitetura Latino-americana em 2000; o Prêmio Pritzker (“o Nobel da Arquitetura”) em 2006; o Leão de Ouro da Bienal de Veneza de 2016; o Imperiale Praemium (Prêmio Mundial de Cultura em Memória de Sua Alteza Imperial o Príncipe Takamatsu do Japão), também em 2016;  e a Medalha de Ouro Real de 2017 do Royal Institute of British Architects (RIBA).

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Paulo Mendes da Rocha é um dos expoentes da chamada “escola paulista”, grupo de arquitetos modernistas liberado por Vilanova Artigas. São de sua autoria projetos como o Museu Brasileiro da Escultura (MuBE), a reforma da Pinacoteca do Estado e, em conjunto com o filho Pedro, o Museu da Língua Portuguesa, todos em São Paulo. Entre seus trabalhos mais recentes estão o novo Museu dos Coches, em Lisboa (Portugal), aberto ao público em 2015, e o Sesc 24 de Maio, em São Paulo, inaugurado em 2017. Está prevista para 2018 a abertura do Cais das Artes, em Vitória (Espírito Santo), sua cidade natal.

Em 28 de maio de 2016 esse homem “ao mesmo tempo modesto e poderoso”, nas palavras do curador da Bienal de Arquitetura de Veneza, o arquiteto chileno Alejando Aravena, foi o grande homenageado na cerimônia de abertura da mostra do ano. Muitos dos principais nomes da Arquitetura mundial lotaram o gótico Palazzo Giustinian, às margens de um dos canais da cidade, para presenciar sua premiação com o Leão de Ouro.

“Para os arquitetos, esse talvez seja o prêmio mais encantador possível”, disse Paulo Mendes da Rocha ao jornal O Globo, com seu jeito doce se expressar. “A figura do leão alado, que compõe o troféu, é emblemática e muito linda. Eu nunca esperei ganhá-lo. Foi uma grande surpresa, principalmente pela forma como foi anunciado, exaltando o conjunto da minha obra. Mas faço questão de falar que todo o trabalho é coletivo. Logo, é muito interessante para os arquitetos brasileiros, para nossas escolas daqui, saber que nosso trabalho está sendo visto e reconhecido pelos grandes nomes do meio”.

Primeiro brasileiro a ganhar o prêmio, Paulo Mendes da Rocha teve seu nome indicado pelo curador Alejandro Aravena, ganhador do Prêmio Pritzker de 2016, para quem Paulo Mendes da Rocha é “um dos últimos humanistas remanescentes” e um “guerreiro contra clichês”.

Ao acatar a sugestão, o Conselho de Diretores da Bienal, presidido por Paolo Baratta, destacou que “o atributo mais marcante de sua arquitetura é a atemporalidade”.

“Muitas décadas após serem construídos, cada um de seus projetos resiste ao avanço do tempo, tanto estilisticamente como fisicamente. Essa consciência estarrecedora pode ser resultado de sua integridade ideológica e sua genialidade no campo estrutural. Ele é um desafiador inconformado e, ao mesmo tempo, um realista apaixonado”, diz nota do colegiado.

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O Conselho de Diretores ressaltou também as áreas interesse de Paulo Mendes da Rocha para além da Arquitetura, englobando temas políticos, sociais, geográficos, históricos e técnicos. “Ele tem sido um modelo para muitas gerações de arquitetos no Brasil, América Latina e em todos os lugares. É uma pessoa capaz de unir esforços compartilhados e coletivos, bem como alguém capaz de atrair outros para a causa de um melhor ambiente construído”.

ROYAL GOLD MEDAL – Em 1º.  de fevereiro de 2017, em jantar de gala realizado em Londres, Mendes da Rocha recebeu a Medalha de Ouro Real do RIBA. A cerimônia ocorreu na histórica sede da instituição, na 66 Portland Place,  construída na década de 1930 a partir de um concurso de projetos ganho por George Grey Wornum, entre 284 concorrentes.

Dada em reconhecimento do trabalho de uma vida, a premiação é aprovada pessoalmente por Sua Majestade a Rainha e é concedida a uma pessoa ou grupo de pessoas que tiveram uma influência significativa, direta ou indiretamente, no avanço da Arquitetura mundial.Concedido desde 1848, a lista dos ganhadores da honraria inclui Zaha Hadid, Frank Gehry,  Norman Foster, Frank Lloyd Wright e Sir George Gilbert Scott . Oscar Niemeyer foi o único outro arquiteto brasileiro a ter recebido a Medalha (assim como o Prêmio Pritzker e o Imperiale Praemium).

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Falando sobre a condecoração, a presidente do RIBA e presidente do comitê de seleção, Jane Duncan, declarou que Paulo Mendes da Rocha “é um arquiteto de classe mundial e uma verdadeira lenda viva”.

Seu trabalho, disse ela, “é altamente incomum em comparação com a maioria dos arquitetos mais famosos do mundo. É um arquiteto com uma incrível reputação internacional, mas quase todas as suas obras-primas são construídas exclusivamente em seu país de origem. Revolucionária e transformadora, a obra de Mendes da Rocha tipifica a arquitetura do Brasil dos anos 50 – concreto cru, robusto e belamente “brutal”.

A indicação foi feita pelos arquitetos Neil Gillespie, irlandês,  da Foundation for Architecture and Education, e John McAslan, escocês.

Neil Gillespie destacou que o trabalho de Mendes da Rocha “tem  coragem e clareza que poucos podem igualar. Suas estruturas são ousadas e alegres. Seu uso de concreto ousado e inovador. Seus planos na escala de edifício ou na escala da cidade são generosos e expansivos. Ele é apaixonado por pessoas e sociedade e como seus edifícios podem servi-los. (…) Para muitos, ele representa uma das últimas grandes figuras da Arquitetura cujo trabalho, ao serviço da sociedade, tem uma dimensão poética que mergulha profundamente em nossa disciplina arquitetônica”.

Nas palavras de John McAslan, a estatura internacional de Paulo Mendes da Rocha “surge de uma combinação notável e sustentada de originalidade arquitetônica, preocupação social e trabalho educativo”. 

Ao final de sua citação durante a cerimônia de entrega da Medalha de Ouro, John McAslan mencionou algo que Mendes da Rocha escreveu em 2003:”Ao contrário de muitas pessoas que têm medo da pobreza, eu sempre fui atraído por ele, por coisas simples, sem saber por quê. Não dificuldades, mas a humildade de coisas simples. Acho que tudo o que é supérfluo é irritante. Tudo o que não é necessário torna-se grotesco, especialmente no nosso tempo”.

Ao que McAslan acrescentou: “Nos mundos cada vez mais vinculados da Arquitetura, do consumismo e do corporativismo, a ressonância dessa observação aumentou com o passar do tempo. O gênio particular de Paulo Mendes da Rocha pode ter se originado em meados da década de 1950, mas ele, sem dúvida, permanece um arquiteto – e especificamente não um“starchitect” – para os nossos tempos. Esta é certamente a marca essencial de sua grandeza”.

Paulo Mendes da Rocha, ao saber da notícia da premiação, afirmou que “depois de tantos anos de trabalho, é uma grande alegria receber esse reconhecimento do Royal Institute of British Architects pela contribuição que minha vida de trabalho e experiências deu ao progresso da Arquitetura e da Sociedade (…) Gostaria de enviar os meus mais sinceros agradecimentos a todos os que partilham a minha paixão, em particular os arquitetos britânicos, e divido este momento com todos os arquitetos e engenheiros que colaboraram nos meus projetos”.

Com esse site especial, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil junta-se, orgulhosamente, a essas justas homenagens a Paulo Mendes da Rocha, “cidadão atento ao seu tempo e profissional com trajetória irretocável que, para a sorte da arquitetura nacional, segue elevando a Cultura do país e permanece como estímulo intelectual permanente para os que sonham e trabalham por cidades mais dignas e fraternas”, nas palavras da Haroldo Pinheiro, presidente do CAU/BR.

De volta à rotina de Paulo Mendes da Rocha, cabe bem aqui lembrar uma das frases que o arquiteto gosta de repetir com humor e sabedoria: “essa é a grande graça da questão”.

Júlio Moreno é jornalista, chefe da Assessoria de Comunicação Integrada do CAU/BR

Última atualização: 21/09/2017