O pai engenheiro e Vilanova Artigas, esteios da formação do arquiteto
Transcrição de verbete Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura (2016) sobre o arquiteto e urbanista PAULO MENDES DA ROCHA
Arquiteto, urbanista e professor, Paulo Archias Mendes da Rocha nasceu em Vitória (Espírito Santo) em 1928. Em 1954, forma-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Filho do engenheiro de portos e vias navegáveis Paulo Menezes Mendes da Rocha, diretor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – Poli/USP entre 1943 e 1947, tem uma formação familiar ligada à reflexão sobre a relação entre engenharia e natureza. Destaca-se muito cedo, aos 29 anos, ao vencer o concurso para o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, 1958, obra que lhe vale o Grande Prêmio Presidência da República na 6ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1961. Integra, a partir de então, o grupo que, com a liderança de Vilanova Artigas, constitui a chamada “escola paulista” na arquitetura. Realiza entre 1960 e 1961 projetos de escolas para a rede pública,1 e ingressa como professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU/USP. Datam desse período obras fundamentais, como a sede social do Jockey Club de Goiânia, 1962, o edifício residencial Guaimbê, e a própria residência, 1964, no bairro do Butantã, ambos em São Paulo.
Projeta em 1968, ao lado de Artigas e Fábio Penteado, o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado – Parque Cecap, em Guarulhos, para 50 mil moradores. Em 1969, após o Ato Institucional nº 5 – AI-5, é afastado da FAU/USP, à qual retorna apenas com a anistia, em 1980, como auxiliar de ensino – condição na qual permanece até tornar-se professor titular em 1998, quando é aposentado compulsoriamente, por ter completado 70 anos de idade. Com os direitos profissionais cassados, vence, em 1969, em situação paradoxal, o concurso nacional para o Pavilhão do Brasil na Expo’70, em Osaka: uma grande cobertura de concreto e vidro apoiada em colinas artificiais. No concurso internacional para o Centre Georges Pompidou (Beaubourg), em Paris, em 1971, seu projeto é um dos premiados.

Atuante também no campo da representação de classe, preside o departamento paulista do Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB/SP em duas ocasiões: 1972-1973 e 1986-1987. Entre 1987 e 1988, seus projetos para a Loja Forma e para o Museu Brasileiro da Escultura – MuBE, este também vencedor de um concurso, inauguram uma nova fase de reconhecimento público do seu trabalho. Seguem-se a esses os projetos para o pórtico da Praça do Patriarca, 1992, em São Paulo, a reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo – Pesp, 1993, e o Centro Cultural da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – Fiesp, 1996.
Em 1996, as editoras Blau, de Portugal, e Gustavo Gilli, da Espanha, lançam, em co-edição, o livro Mendes da Rocha. Seu reconhecimento internacional se intensifica com a Sala Especial Mendes da Rocha na 10ª Documenta de Kassel, na Alemanha, 1997, e com o Prêmio Mies van der Rohe de Arquitetura Latino-Americana, em 2000, pela reforma da Pesp. Com a publicação do livro Paulo Mendes Da Rocha: Bauten Und Projekte, na Europa pela Niggli Verlag, em 2001, e encomendas de projetos na Espanha, recebe o importante Prêmio Pritzker, de 2006, condecoração máxima entre os arquitetos no mundo.
Comentário crítico
Vencedor, em 2006, do Pritzker Prize, considerado o prêmio nobel da arquitetura,2 Paulo Mendes da Rocha não é apenas um dos mais importantes arquitetos brasileiros. É, hoje, um nome de destaque no cenário internacional. O crítico italiano Francesco Dal Co caracteriza a produção de Mendes da Rocha pela combinação ímpar dos seguintes atributos: a “segura racionalidade”, a “essencialidade das soluções construtivas”, a “intransigência no emprego dos materiais” e o “desprezo pelo supérfluo”.3
Pode-se dizer que pelo amplo reconhecimento que obtém, no fim dos anos 1990, a arquitetura brasileira recupera parte do interesse que desperta no público estrangeiro entre as décadas de 1940 e 1960. A obra de Mendes da Rocha se alça no panorama contemporâneo simultaneamente como a legítima herdeira desse legado histórico racionalista e como sua atualização crítica no contexto das revisões pós-modernas.
Formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1954, torna-se professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU/USP a partir de 1961, a convite de Vilanova Artigas. Desde então, passa a integrar o grupo de arquitetos que, com a liderança de Artigas, constitui a chamada “escola paulista”, cuja produção se caracteriza pelo emprego “brutalista” do concreto armado, e pela ênfase nas soluções estruturais de grande porte. Apesar de ser considerado discípulo de Artigas – dadas a ascendência ideológica e a maior experiência profissional e pedagógica deste -, é Mendes da Rocha quem primeiro prefigura as características fundamentais dessa “escola”, por meio do Ginásio do Clube Atlético Paulistano, em 1958. Estruturada em seis enormes pilares de concreto que se afinam ao encontrar o solo, essa obra pioneira antecipa muitas das características da “virada brutalista” ocorrida na carreira de Artigas no ano seguinte. Mas, acima de tudo, é possível dizer que ambos realizam uma leitura particular da vertente mais construtiva da produção carioca, especialmente do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM/RJ, 1953, de Affonso Eduardo Reidy: a dedução da forma plástica com base num esqueleto estrutural feito de concreto armado e aparente.
Com efeito, se em Artigas é a visão didática da estrutura que prevalece, em Mendes da Rocha a construção não parece carregar um sentido pedagógico explícito. Ela, antes, foge do formalismo exprimindo-se na forma de “gestos primários”, quase arquetípicos, como a grande viga-marquise do Museu Brasileiro da Escultura – MuBE, 1988, cuja função é essencialmente simbólica: demarcar um lugar, uma construção subterrânea.4 Esse é, também, o sentido da construção de uma topografia artificial no Pavilhão do Brasil, 1969, na Expo’70, em Osaka. Trata-se, em suas palavras, de “uma visão poética sobre a forma que ultrapassa, na sua dimensão humana, a estrita necessidade”. Uma arquitetura que se distancia do modernismo heróico, e que declara desejar-se menos “funcional” do que “oportuna”.5

No campo do urbanismo, o lirismo do seu raciocínio se baseia na exploração da relação entre construção e natureza. Pois, para Mendes da Rocha, a “primeira e primordial arquitetura é a geografia”.6 Em projetos como a Cidade do Tietê, 1981, e as propostas de reurbanização das baías de Vitória, 1993, e Montevidéu, 1998, a inteligência das intervenções dialoga com as possibilidades latentes da paisagem, lidas de uma ótica infra-estrutural. No primeiro caso, propõe a construção estratégica de uma “cidade-porto fluvial”, às margens do rio Tietê, que integre as redes de transporte inter-continentais e incentive a ocupação do território, ligando, em última análise, as bacias Amazônica e do Prata. No segundo caso, propõe edifícios insólitos construídos diretamente sobre as águas, em contraste e diálogo com a monumentalidade tanto dos navios que atracam no porto quanto das montanhas próximas. E, no terceiro, faz da superfície de água da baía, tratada historicamente como um entrave para o desenvolvimento da cidade, um meio de transporte que integra lugares estanques, retifica o porto, e explora a potencialidade “festiva” da natureza ao transformar uma ilha existente em teatro ao ar livre.
Quatro fatores podem ser apontados como determinantes na constituição desse modo de pensar. O primeiro refere-se à ideologia desenvolvimentista da “escola paulista”, apoiada no projeto político do Partido Comunista Brasileiro – PCB, que enxerga nas grandes obras de infra-estrutura (barragens, canais, estradas, portos) o vital avanço das forças produtivas da nação. O segundo é familiar, e deve-se à influência do seu pai, Paulo Menezes Mendes da Rocha, engenheiro encarregado de planejar o combate à seca no Nordeste, e responsável pela construção do Açude de Cruzeta, 1918, no Rio Grande do Norte. O terceiro relaciona-se à influência da “visão telúrica” de Le Corbusier, que, no livro Precisões sobre um Estado Presente da Arquitetura e do Urbanismo, 1930, relata o impacto provocado pelo território americano em sua visão de mundo. E o quarto, mais recente, consiste na leitura da liberdade irreverente e fenomenológica de propostas do arquiteto italiano Aldo Rossi, particularmente do seu “Teatro do Mundo” em Veneza, 1979: uma construção flutuante, que se move, como a própria cidade de Veneza, cujo “leito carroçável” é feito de água.
Em seu processo de formalização, não é o apuro no detalhe construtivo ou a expressividade plástica que comandam, mas a monumentalidade da técnica. Não há a intermediação do capricho artesanal ou da composição em seu raciocínio, pois a relação entre técnica e pensamento é direta. “Raciocina-se com a engenhosidade possível. Não se pensa com formas autônomas ou independentes de uma visão fabril delas mesmas”, diz Mendes da Rocha. E completa: “Quando o arquiteto risca no papel uma anotação formal, um croquis, está convocando todo o saber necessário, mecânica dos fluidos, mecânica dos solos, máquinas e cálculos que sabe que existem para fazer aquilo. Não se trata de fantasias, mas uma forma peculiar de mobilizar o conhecimento, o modo arquitetônico.”7
Notas
1 “Durante os anos de 60 a 63 o Instituto de Previdência do Estado – Ipesp, organizou e financiou projetos e construções de diversos edifícios públicos em quase todos os municípios do Estado, escolas principalmente, contratando arquitetos, alguns recentemente saídos das Faculdades. A necessidade de uma unidade em torno do problema da escola, atraiu as atenções em torno do tema, seus problemas, implicações sociais, estéticas, técnicas e ressaltou a importância da revisão dos planos e programas. Na verdade constitui-se um verdadeiro grupo de trabalho e de troca de informações e os projetos resultantes revelam um notável avanço geral, na prática profissional no nosso meio”. ROCHA, Paulo Mendes da. Edifícios escolares: comentários. Acrópole, 377, set. 1970, p. 35.
2 Prêmio concedido pela Fundação Hyatt, sediada em Chicago, Estados Unidos. Entre os arquitetos brasileiros, Mendes da Rocha é o segundo a ser condecorado. Em 1988, Oscar Niemeyer divide o prêmio com o arquiteto norte-americano Gordon Bunshaft.
3 DAL CO, Francesco. Paulo Mendes da Rocha – Pritzker Prize 2006. Casabella 744, maio de 2006.
4 Ver: TELLES, Sophia S. Museu da Escultura. AU Arquitetura e Urbanismo, n. 32, out/nov 1990.
5 ROCHA, Paulo Mendes. Genealogia da imaginação. In: ARTIGAS, Rosa Camargo (org.). Paulo Mendes da Rocha. São Paulo: Cosac & Naify, 2000. p. 73.
6 ROCHA, Paulo Mendes. A cidade para todos. In: ARTIGAS, Rosa Camargo (org.). op. cit. p. 172.
7 ROCHA, Paulo Mendes. Genealogia da imaginação. In: ARTIGAS, Rosa Camargo (org.). op. cit. p. 71.
Fontes de pesquisa:
ANUÁRIO de teatro 1994. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1996. 415 p. R792.0981 A636t 1994
ARTIGAS, Rosa Camargo (org.). Paulo Mendes da Rocha. Texto Paulo Mendes da Rocha, Guilherme Wisnik; apresentação Edemar Cid Ferreira. São Paulo: Cosac & Naify, 2000. 239 p., il. p&b., color.
GRUNOW, Evelise. Estação histórica abre espaço para acervo virtual da língua. Disponível em: [http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura680.asp]. Acesso em: 18 out. 2006.
GRUNOW, Evelise. Partido preserva o térreo livre e concentra programa no subsolo. Disponível em: [http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura681.asp]. Acesso em: 18 out. 2006.
GRUNOW, Evelise. Topografia construída preserva declividade e vegetação natural. Disponível em: [http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura683.asp]. Acesso em: 18 out. 2006.
MACADAR, Andrea. Entrevista com o arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Disponível em: [http://www.vitruvius.com.br/entrevista/mendesrocha/mendesrocha_6.asp]. Acesso em: 18 out. 2006.
MONTANER, Josep Maria; VILLAC, Maria Isabel (org.). Mendes da Rocha. Lisboa: Blau, 1996.
PIÑÓN, Helio. Paulo Mendes da Rocha. São Paulo: Romano Guerra, 2002.
SERAPIÃO, Fernando. Revertendo a lógica do ecletismo, passeio público adentra edifício. Disponível em: [http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura682.asp]. Acesso em: 18 out. 2006.
SPIRO, Annette (org.). Paulo Mendes da Rocha – Bauten und Projekte. Zürich: Verlag Niggli, 2002.
VEJA TAMBÉM: