QUEM FOI LELÉ

QUEM FOI JOÃO FILGUEIRAS LIMA, O LELÉ

Nenhum outro arquiteto brasileiro soube unir com tanto entusiasmo arte e tecnologia quanto João Filgueiras Lima, o Lelé. Falecido em maio de 2014, aos 82 anos, deixou um legado inestimável para a Arquitetura Brasileira. Suas obras se destacam pelas técnicas inovadoras, pelo apuro estético e pelo seu grande alcance social: em mais de 50 anos de atividade profissional, Lelé construiu escolas, hospitais, universidades e inúmeros prédios públicos.

Para ele, o arquiteto deve ser, antes de tudo, um construtor. Deve conhecer profundamente materiais, estruturas e técnicas construtivas. “Ninguém pode desenhar aquilo que não sabe como se faz”, diz, com a autoridade de quem inventou materiais e métodos inovadores para atender às necessidades específicas de cada projeto. “O arquiteto nunca deve deixar de ser o construtor, como o foi durante toda a Antiguidade. Se ele perder essa condição, nossa profissão vai entrar num declínio total, como já começa a ocorrer”.

Considerado por Lúcio Costa um dos três mais importantes nomes da Arquitetura Modernista Brasileira, “o arquiteto onde a arte e tecnologia se encontram e se entrosam – o construtor”, ele foi responsável por obras que transformaram a forma como o Brasil olhava sua Arquitetura. Desde o trabalho na construção de Brasília, passando pela criação da Fábrica de Escolas do Rio de Janeiro e do Centros Integrados de Educação Pública no Rio de Janeiro (ambos em parceria com Darcy Ribeiro) pela Fábrica de Equipamentos Comunitários em Salvador até o desenvolvimento do Centro de Tecnologia da Rede SARAH de Hospitais, ele soube como ninguém unir técnica e arte, função e sensibilidade.

OBRAS

Lelé foi o criador de soluções para construções pré-fabricadas e em série. Em viagens aos países do Leste Europeu, em meio à construção da Universidade de Brasília, especializou-se na fabricação e no uso de pré-moldados, aprimorando um método de trabalho desenvolvido a partir dos primeiros alojamentos para operários, utilizando inicialmente a madeira e depois o concreto armado. Anos depois, desenvolveu processos de industrialização de argamassa armada. Sua marca está impressa nas formas da Rede SARAH de Hospitais, com sedes em Brasília, Salvador, Curitiba, São Luís, Fortaleza, Belo Horizonte, Belém e Macapá. Nesses hospitais voltados principalmente para reabilitação, os projetos aproveitam a luz e ventilação naturais, dispensando o uso de ar condicionado e diminuindo o risco de infecção hospitalar.

Em 1992, fundou em Salvador o Centro de Tecnologia da Rede SARAH (CTRS), espécie de fábrica-escola destinada a projetar e executar obras da rede e novos equipamentos de tratamento. “Quem quiser projetar um hospital atualizado tem antes que conversar com o Lelé”, disse certa vez Oscar Niemeyer. Antes disso, Lelé teve outras experiências marcantes na capital baiana, como a criação do Centro Administrativo da Bahia, em 1973. São prédios suspensos por vigas e pilares, de forma a preservar a mata atlântica ainda existente e acompanhar a topografia caprichosa do local.

A Fábrica de Equipamentos Comunitários (FAEC) foi uma das experiências mais marcante da vida de Lelé, apesar de ter durado pouco mais de três anos. Por meio da FAEC, foram criadas soluções inovadoras para a cidade, como a construção das famosas passarelas padronizadas, a sede da Prefeitura, mais inúmeras escolas, creches e postos de saúde – erguidos em até 15 dias, devido ao processo de construção industrializada adotado pela FAEC. Nessa época, também trabalhou ao lado de Lina Bo Bardi na recuperação do Centro Histórico.

Na década de 1990, lançou-se ao projeto dos Centros Integrados de Ensino (CIACs), criado por Darcy Ribeiro e encampado pelo então presidente Fernando Collor. Recuperando os conceitos dos CIEPs do Rio de Janeiro, desenhados por Niemeyer, Lelé aprimorou as soluções desenvolvidas em Salvador e o programa executou dezenas de unidades em todo o Brasil.

Em 2011, Lelé realizou um sonho antigo deixado pelo amigo Darcy Ribeiro: a construção do “Beijódromo”, memorial que abriga todo o acervo do antropólogo. O prédio, que é definido como mistura de oca de índio e disco voador, está instalado na Universidade de Brasília e segue os padrões construtivos criados pelo arquiteto.

Além dessas obras, compõem o currículo de Lelé importantes edifícios como: o Terminal da Lapa, em Salvador; o Centro Comunitário de São Luís; o Hospital de Taguatinga, o Centro de Pesquisas Agropecuárias do Cerrado (Embrapa, Brasilia), o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia e os Tribunais de Contas da União em Minas Gerais, do Rio Grande do Norte, do Piauí, de Alagoas, Sergipe, Mato Grosso e Espírito Santo, dentre muitos outros.

PRÊMIOS E HOMENAGENS

Sua contribuição à Arquitetura foi reconhecida por meio de diversos prêmios e homenagens. Uma das mais importantes foi a conquista da Medalha de Ouro da Federação Pan-Americana de Associações de Arquitetos (FPAA). A mais importante premiação de arquitetura das Américas, foi entregue ao arquiteto carioca durante o XXIV Congresso Pan-Americano de Arquitetos, em 2012.

Em 2001, já recebera o Grande Prêmio Latino-Americano na 9ª Bienal Internacional de Arquitetura e por duas vezes o Prêmio da Bienal Ibero-Americana de Arquitetura e Engenharia (em 1998 e 2002). No ano passado, foi um dos vencedores do Prêmio Jabuti com o livro “Arquitetura: Uma Experiência na Área da Saúde” (Ed. Romano Guerra)

Em outubro de 2012, ele concedeu uma extensa entrevista ao CAU Brasil, inédita até agora, onde fala da profissão de arquiteto e do alcance social da profissão.